O arcebispo de Saurimo, José Manuel Imbamba, passou um atestado de elevada criminalidade ao governo do MPLA (no Poder há 49 anos) ao defender que a riqueza deve estar “ao serviço do progresso” e servir o desenvolvimento para evitar que os jovens “se percam na mata” e encarem o garimpo como única saída para melhorar as condições de vida.
José Manuel Imbamba falava aos jornalistas à margem da 2.ª Conferência Internacional dos Diamantes de Angola (AIDC) que decorre em Saurimo, capital da província diamantífera da Lunda-Sul, onde são esperados 1.500 delegados nacionais e internacionais, bem como especialistas e responsáveis das maiores empresas mundiais do sector mineiro.
Os benefícios desta riqueza a nível local “ainda são incipientes” e é necessário criar uma renovação cultural “para que o diamante não seja tido só como diamante” e os recursos naturais se convertam também em benefícios para a população, disse o também presidente da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé (CEAST).
“A Lunda Sul tem fama de ser terra de diamante, de ser terra rica mas as pessoas são pobres”, disse José Manuel Imbamba, um contraste que “deve ser mitigado”, melhorando o serviço às comunidades para que “percebam que devem trabalhar, devem cultivar-se e fazer com que a riqueza sirva o interesse de todos”.
O arcebispo destacou que os índices de desemprego na região são altíssimos, o que, associado ao analfabetismo, cria assimetrias na província.
Enquanto Saurimo está a dar passos significativos em termos de vitalidade, no resto da província, “a juventude ainda vê o garimpo como ponto focal da sua vida, não querem estudar, não querem trabalhar e isto precisa de ser revertido”, afirmou José Manuel Imbamba.
“Enquanto nós não formos, com o ensino, ajudar os jovens a perceber que o garimpo não é a saída para a realização das pessoas, continuaremos nesse sufoco e aquém do nosso desenvolvimento”, acrescentou o responsável da Igreja Católica, considerando que iniciativas como a AIDC são um incentivo para alavancar todos os sectores económicos da província.
José Manuel Imbamba realçou que “é preciso criar equilíbrios” e mais justiça social: “Temos de levar serviços, temos de levar desenvolvimento, temos de ajudar a que as pessoas tenham o necessário para evitar que os jovens se percam na mata, eles vão para a mata porque não há condições sociais à altura”.
“Se criarmos essas condições, creio que os jovens não vão perder tempo, dias e noites a escavacar para às vezes não encontrarem nada e quando encontram não tem qualquer impacto na vida deles”, comentou, sublinhando que a riqueza existe para realizar as pessoas e não se esgota em si mesma.
“O impacto tem de se fazer sentir na transformação das consciências, na transformação da mentalidade para que as pessoas percebam que a riqueza deve estar ao serviço do bem comum, deve estar ao serviço do progresso humano, social e cultural, ainda estamos no caminho”, frisou.
Na conferência vão ser debatidos temas como o papel dos diamantes naturais e sintéticos no mercado global, sistemas de certificação, inovações tecnológicas na indústria de corte e lapidação, responsabilidade social e financiamento e seguros de projectos de diamantes.
Segundo informações da organização, a indústria diamantífera de Angola investiu entre 2017 e o primeiro semestre de 2023, investimentos de 235 milhões de dólares em iniciativas de responsabilidade social.
Angola, com uma produção na ordem dos 9 milhões de quilates no ano passado, é o segundo produtor de diamantes africano e o quarto maior a nível mundial. A indústria tem o seu epicentro nas províncias da Lunda Norte e da Luanda Sul onde se encontram algumas das maiores minas de diamantes do mundo a céu aberto, como Catoca e Luele.
DEPOIS DA PROPAGANDA A REALIDADE
Os bispos católicos angolanos disseram no passado dia 28 de Fevereiro que os angolanos estão a correr o risco de se habituarem à pobreza e de se acomodarem à miséria, lamentando a degradação socioeconómica da vida das famílias no país.
“O elenco dos problemas socioeconómicos que desafiam, afligem e sufocam a vida dos cidadãos e das famílias são sobejamente conhecidos e devidamente identificados. Os relatórios das dioceses e estudos sobre a nossa realidade social ilustram bem este quadro, a vida das famílias e dos cidadãos não está fácil”, disse José Manuel Imbamba.
O arcebispo angolano considerou que tal situação deve-se a uma profunda crise de ética, exortando os cidadãos, gestores públicos e privados e políticos à uma análise de consciência.
“A minha convicção é que tudo o que de ruim estamos a viver e a experimentar deve-se a uma profunda crise de ética”, afirmou José Manuel Imbamba, quando falava na abertura da 1.ª Assembleia Plenária dos Bispos da CEAST.
Para o prelado católico, a sociedade vive hoje uma era de fragmentação da consciência em relação às referências éticas: “Já não temos um quadro axiológico de unanimidade social como na sociedade tradicional”.
“A consciência do mal, do injusto e do pecado está a desaparecer vertiginosamente, já não incomoda, o sentido de honra e de dignidade já não encaixa no nosso perfil, o egoísmo ou o individualismo está a ofuscar e a banir o sentido do bem comum”, apontou.
Dom Imbamba referiu, por outro lado, que a fragmentação da consciência em relação às referências éticas atingiu “níveis degradantes e irresponsáveis que se traduzem na corrosão, nepotismo, compadrio, amiguismo, clubismo e na vandalização e delapidação dos bens públicos”.
José Manuel Imbamba disse também que a produção interna “continua manietada”, a especulação dos preços dos produtos básicos continua em alta, afectando drasticamente o poder de compra dos cidadãos, as empresas angolanas continuam asfixiadas e muitas moribundas “por falta de ética”.
Os cidadãos “vão perdendo o respeito pelas instituições, a política já não visa o bem dos cidadãos, mas sim dos militantes, enfim, por falta de ética a religião tornou-se comércio e muitas igrejas transformaram-se em espaços de depravação, violência e desnorteio”, criticou.
“Esta é a nossa maior e a mais perigosa doença que lentamente nos vai corroendo por dentro”, notou.
O sacerdote defendeu que o país deve fazer uma “grande aposta” na ética aplicada ao serviço público, como instrumento de controlo, visando uma gestão ética do serviço público para não se cair “no descrédito e na inércia repetindo sempre os mesmos erros geradores da miséria, fome, injustiça, insatisfação e desespero”.
“A gestão ética do serviço público transformar-nos-á em cidadãos e funcionários sérios, honestos e responsáveis, exemplares, comedidos, competentes, comprometidos e desapegados, capazes de garantir uma execução à bom nível das políticas públicas traçadas pelo executivo e com um elevado sentido de pertença e de Estado”, concluiu José Manuel Imbamba.